26.11.04

Composição Ex. 1 - escuro

Fecho os olhos.
Como a venda não é suficientemente opaca dou rapidamente por mim a abri-los novamente. Desligo as luzes. De início, certo de estar rodeado de escuridão total, insisto em continuar a ver focos de luminosidade. Tal não é importante, pois os cinco minutos iniciais servirão para que me consiga adaptar ao meu novo estado. A decisão de limitar o uso de um dos sentidos far-me-á concentrar com especial atenção nos restantes. O ser humano na perda de um ou mais sentidos fica com os restantes muito mais apurados. Em cinco minutos é algo que não espero que aconteça, mas desde pequeno que desejei ouvir mais longe, ver com as mãos, distinguir cheiros e sabores que poucas pessoas conseguiriam reconhecer. Mas claro, nunca desejei deixar de ver para o conseguir.

Abro os olhos.
Continuo sem ver um palmo à minha frente, mas imagino o carro que passa e, por instantes, é como se o visse, por instantes, é como se eu próprio fosse transportado dentro dele. Vou sempre em frente, pois é difícil fazer as curvas de olhos vendados. Subo e desço as colinas que se atravessam à minha frente e passo pelo meio de pinhais. Sinto-lhes o cheiro. E continuo, sempre sozinho. Não é fácil ter alguém que aceite ser conduzido por um cego, mesmo que se decida seguir sempre em frente. O terreno é acidentado e, receoso do que possa acontecer, tiro a venda que me tapa os olhos. À minha frente não vejo estrada e ao meu lado está alguém que conduz o meu carro.

Decido dar por terminado o exercício.
Abro os olhos.
Ligo as luzes.
Para mim, pior que ter os olhos fechados e não conseguir ver é abri-los e continuar no escuro.

N.C.

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