8.12.04

Composição Ex. 4

Josefa conhece o Pedro desde os 3 anos. Foi nessa altura que começou a trabalhar para a família e quando o 'menino' Pedro, como costuma dizer, foi morar sozinho ela acompanhou-o para ajudar nas limpezas. Faz cinco anos que, todas as segundas, Josefa apanha o autocarro até ao Príncipe Real e segue a pé até ao estúdio que o Pedro utiliza como casa e como atelier.
O Pedro estuda arquitectura e a casa está repleta de puzzles de cortiça que Josefa tem dificuldade em decifrar.
- São trabalhos em relevo. - explicou-lhe um dia.
Josefa acenou com a cabeça enquanto se esforçava por emitir alguns sons exclamativos. Nunca mais comentou os trabalhos com o menino. Josefa precisava tanto de entender os trabalhos de Pedro como precisava de saber ler e escrever. Tal como o marido, que era analfabeto, ela também só conseguia escrever o seu nome e sentia-se perfeitamente confortável com isso.

Desde os 12 anos do Pedro, altura em que começou com as manias da arte, que Josefa está habituada às peculiaridades do menino.
- O menino veste-se de luzes apagadas? - perguntava-lhe quando ainda o via todos os dias.
- Não Josefa - respondia ele com um sorriso -, de olhos fechados.
Mas o pior nem sempre foram as roupas. Estranho foi mesmo quando, depois da primeira aula de ciências da natureza, ele chegou a casa e pediu à mãe um porco-espinho para animal de estimação. Nesse dia ouviu o professor falar dos poderes curativos das picadas.
A mãe ofereceu-lhe um casal de periquitos depois de lhe dar um ensaboadela acerca dos perigos dos animais selvagens. Ele percebeu que não iria seguir ciências como carreira e dedicou-se às artes. Começou a pintar professores cuja face parecia estar em pleno tratamento de acupunctura.

Naquela segunda, quando Josefa tocou à campainha o Pedro já tinha saído. Enquanto fazia a cama descobriu, debaixo da almofada que se encontrava à beira da cama, o colar de pérolas da D. Teresa, mãe de Pedro, e um ovo cozido.
- Que estranho. – pensou consigo mesma - Ainda na sexta-feira passada a D. Teresa estava com o colar na mão.
Pegou no ovo e colocou-o no frigorífico. Josefa não suportava ver as coisas fora do seu lugar.
Nesse momento o Pedro entra em casa ofegante.
- Olá Josefa! – Exclama enquanto pára para recuperar o fôlego - Já ia na estação quando percebi que me esqueci do mais importante. Não viste o colar da minha mãe?
- Sim menino – respondeu Josefa - , coloquei-o na mesa de cabeceira. Estava debaixo da sua almofada juntamente com um ovo cozido.
- Eh pá, esqueci-me também do lanche.
- Está no frigorifico menino Pedro.
- Obrigado Josefa, tenho de me ir já embora. Hoje é o Baile de Finalistas e tenho de levar o colar à Isabel.
- Beijinhos à menina – gritou Josefa já depois de Pedro ter batido com a porta. Josefa gostava muito da namorada do Pedro. Essa sim, pensava ela, era uma verdadeira pérola.

N.C.

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