14.12.04

Composição Ex. 6 - Parabéns

Os aniversários sempre lhe trouxeram algumas dores de cabeça. Ele não gostava de levar prendas e raramente levava. Há muito que acreditava que uma das funções da sociedade era a de contaminar os seus elementos com costumes sem qualquer significado, mas com muito interesse comercial. Em brincadeira dizia que a culpa era dos Reis Magos. Tivessem eles agraciado Jesus com a sua presença e benza, sem ouro, incenso e mirra e hoje não precisaríamos dos aniversários para oferecer um presente. Ele aproveitava os dias de não aniversário para mimosear os amigos com uma lembrança especial. Todos eles já tinham sido surpreendidos e todos eles reconheciam a beleza de tal acto.
Durante os seus longos anos de adolescência sentiu-se incompreendido por muitos que o rodeavam.
- Ele tem esta ideia e nem à faca vai ao lugar. – dizia frequentemente o seu pai.
Desta vez era diferente. Faltava uma semana, ele já pensava nisto há várias, e sabia o que lhe iria oferecer.
- Amanhã a Maria faz anos. – disse à Isabel.
- A Maria? – retorquiu surpreendida – A Maria?
- Sim. A Maria.
Isabel manteve-se em silêncio. Não sabia bem o que dizer nestas situações.
- Amanhã vou levar-lhe uma lembrança. Parece-me ser o melhor a fazer. A partir de determinada altura faz todo o sentido presentear nos aniversários.
- Pois... – disse Isabel. Não quis perguntar o que era.
Hoje, deitado no seu quarto, ele adormecia em paz.
Quando saiu de casa, na manhã seguinte, a primeira coisa que fez foi ir entregar a prenda de aniversário. A primeira prenda de aniversário que, desde que tem memória, entregava. Ainda os primeiros raios de Sol estavam a aparecer quando ele deixou o ramo de oliveira verde e um bilhete assinado: “Saudades eternas”.
Ficou durante uns momentos até se decidir ir embora.
- Parabéns! - disse-lhe antes de seguir o caminho de volta.
À saída do cemitério já o Sol se impunha e um novo dia começava.

N.C.

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