14.12.04

Composição Ex. 6 - António

- Chamo-me António, tenho a minha mãe em casa doente, cinco irmãos para tratar, vá lá!, uma ajudazinha faxavor!
Todos os dias, por volta das cinco horas da manhã, António era visto à porta da praça esperando os feirantes que enregelados despiam as carrinhas da fruta e abasteciam as bancadas dos mais frescos frutos e legumes. Era noite ainda. Não creio que tivesse dormido pois o seu rosto espelhava o cansaço de mais um serão em claro. Vestia umas calças de bombazina azul, coçado pelo uso, bainhas descosidas a arrojarem no chão, rotas e exageradamente largas. Tão largas que precisava de um sisal a prenderem-lhe as presilhas. Os ténis, esses tinham perdido a cor. Os dedos dos pés dentro das meias passavam para o exterior e espelhavam bem a miséria da sua curta vida.
- Vá lá! Um euro faxavor! A minha mãe tá em casa a dormir e os meus irmãos querem comer...
- Vai-te embora rapaz! Não me faças zangar outra vez! Todos os dias é isto, ora bolas! Já te dei três bananas ontem e hoje já levaste um saco de laranjas! Não pode ser sempre. A tua mãe que trabalhe, tem muito bom corpo para isso, c’um caneco! Xô!!
António chorava, as lágrimas misturavam-se com o ranho e a sujidade. Tremia de frio. Estava de tal modo enregelado que o seu rosto depressa ficou arroxeado!
- Olhó rapaz que não está bem Estrudes! - gritou para a mulher, o Sr. João dos melões – que miséria...!
O Sr. João era assim chamado por duas razões; porque a mulher era dotada de um peito volumoso e a segunda porque na verdade vivia dos melões que vendia. Os colegas de bancada faziam chacota e riam: “Oh João, olhós melões a balançarem...ainda caiem ao chão e catrapum!...”
O Sr. João dirigiu-se ao rapaz, mandando para o chão o que restava do cigarro.
- Anda cá rapaz, toma lá um copo de café com leite quente que o João tem ali no termo dentro da carrinha. O leite vai aquecer-te e depois ficas ali deitado, embrulhado nesta manta. Deixa-te ficar, que depois levo-te a casa.
António deixou-se ir, entregando-se nos braços daquele homem bom. Não era a primeira vez que se sentia desvanecer e não era igualmente a primeira vez que o Sr. João dos melões lhe pegava ao colo para o confortar.
Era o melhor colo que alguma vez tivera. Aqueles escassos minutos de carinho e dedicação davam-lhe força para o resto do dia.

M.L.

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